quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Társis, Tartessos e o profeta Jonas

 Cristiano De Mari



       Tarsish ou Társis foi um dos quatro filhos de Javan, filho de Jafet e neto de Noé. (Gên 10:4; 1Cr 1:7) Acha-se incluído entre os 70 ramos de família dos quais as nações “se espalharam pela terra”. (Gên 10:32) Como no caso dos demais filhos de Javan, assim como seus irmãos, o nome de Társis veio também a aplicar-se a um povo e a uma região.

   Destes vieram todas as tribos que originaram os gregos: Javan (Jônios), Quitim ( Aqueus) , Elisáh ( Eólios), Dodanim ou Rodanim (Dórios), Társis ( tribos gregas do sul da Espanha, tendo como cidade principal Tartessos).



     A região inicialmente povoada pela prole de Társis, filho de Javan e neto de Jafet teria sido o sul da antiga Hispânia, hoje Espanha, na antiga província romana da Bética. Cidades importantes como Sevilha são dessa região espanhola.Conviveram próximos às tribos Ibéricas e célticas por muitos séculos e também entrando em contato com fenícios e cartagineses.

   Outra teoria coloca os descendentes de Társis, vivendo na Ásia Menor, na região da Cilícia, pois a cidade de Tarso é dessa região, e isso é verdade quanto a presença de gregos nessa região.Pode ser que da Cilícia convergiram várias rotas migratórias gregas, a contar dos descendentes de Társis, filho de Javan.

      Na Bíblia, o profeta Jonas (844 a.C.), a quem Javeh Deus mandou pregar em  Nínive, na Assíria, tentou escapar de sua missão indo ao porto mediterrâneo de Jope ( hoje Tel Aviv-Yafo) comprando passagem num “navio que ia para Társis”.  

    Numa tempestade em alto-mar o mesmo é jogado para fora e é engolido por um grande peixe, que supostamente deve ter sido uma baleia.Desde então, ele passa a viver 3 dias no estômago do cetáceo, orando, pedindo perdão a Deus até que compreende sua missão.Logo depois , o animal o vomita numa praia. Dias depois vai pregar em Nínive , salvando seus moradores de um castigo iminente (Jon 1:1-3; 4:2). Isso comprova que ninguém muda os desígnios de Deus.

        Társis obviamente tinha de encontrar-se no Mediterrâneo ou junto dele, na direção oposta de Nínive, e, evidentemente, era mais fácil chegar lá por mar do que por terra. O “coração do alto-mar” é mencionado em relação com “os navios de Társis”, em Ezequiel 27:25, 26.



      Uma inscrição do imperador assírio Esar-Hadom (do sétimo século a.C) orgulha-se de suas vitórias sobre Tiro e o Egito, e afirma que todos os reis das ilhas, de Chipre “até Tarsisi”, lhe pagaram tributos.  Uma vez que Chipre se encontra no Mediterrâneo oriental, esta referência também indicaria uma localidade situada no Mediterrâneo ocidental. Alguns peritos também identificaram Társis erroneamente com a ilha italiana da Sardenha.

       A maioria dos peritos associam Társis com a Espanha, com base em referências antigas a um lugar ou região da Espanha chamada de Tartessos por escritores gregos e romanos. O geógrafo grego Estrabão (do primeiro século a.C) situou uma cidade chamada Tartessus na região em torno do rio Guadalquivir, na Andaluzia , o nome Tartessus parece ter sido aplicado em geral à parte sul da península Ibérica.

       Muitas obras de referência dão grande destaque à colonização fenícia das regiões costeiras espanholas, e referem-se a Tartessus como colônia fenícia, mas parece não haver base sólida para essa teoria.

       Na Enciclopédia Britannica de 1959, Vol. 21, p. 114, diz: “Nem os fenícios nem os cartagineses deixaram marcos de natureza permanente no país, ao passo que os gregos influenciaram-no profundamente. Navios de Tiro e Sídon talvez tenham realizado comércio além do estreito e em Cádiz pelo menos já no nono século a.C; todavia, a moderna arqueologia, que localizou e escavou cidades gregas, ibéricas e romanas, não pôs à mostra nem um único povoado fenício, nem encontrou remanescências fenícias mais importantes do que restos de quinquilharias e joias, e artigos de permuta similares. A conclusão lógica é que, exceto talvez em Cádiz, os fenícios não construíram cidades, mas tinham meros pontos comerciais e de escala.” A história mostra também que, quando os fenícios e os gregos começaram a negociar com a Espanha, esse país já estava povoado e os habitantes nativos apresentaram a prata, o ferro, o estanho e o chumbo que os mercadores procuravam.

      Portanto, parece que há boa razão para se crer que os descendentes de Javan (os jônios), por meio de seu filho Társis, por fim se espalharam e se tornaram preeminentes na península Ibérica.



       Tal suposta  localização de Társis pelo menos se harmoniza satisfatoriamente com as outras referências bíblicas.

       O comércio fenício com Társis é claramente comprovado pelo registro da época do Rei Salomão, quando a nação de Israel também começou a praticar o comércio marítimo. Salomão tinha uma frota de navios na área do Mar Vermelho, tripulados em parte por experientes marujos fornecidos pelo rei fenício Hirão, de Tiro, e que negociavam especialmente com a terra de Ofir, rica em ouro. (1Rs 9:26-28) Por conseguinte, menciona-se “uma frota de navios de Társis” que Salomão dispunha no mar, “junto com a frota de navios de Hirão”, e diz-se que esses navios faziam viagens, uma vez a cada três anos, para a importação de ouro, prata, marfim, macacos e pavões. (1Rs 10:22) 

       Crê-se, em geral, que o termo “navios de Társis”, com o tempo, veio a designar um tipo de navio, como diz certo léxico:  

  Embarcações grandes oceânicas , apropriadas para trafegar até Társis.” ( Assim também em 1 Reis 22:48 mostra que o Rei Jeosafá (936-911 a.C. ) “fez navios de Társis para irem a Ofir em busca de ouro”.

       O relato de Crônicas, contudo, declara que os navios de Salomão, utilizados para as viagens trienais, “iam a Társis” (2Cr 9:21); também que os navios de Jeosafá destinavam-se ‘a ir a Társis’, e, quando naufragaram, “não retiveram força para ir a Társis”. (2Cr 20:36, 37) Isto indicaria que Ofir não era o único porto de escala dos “navios de Társis” israelitas, mas que eles também navegavam pelas águas do Mediterrâneo. 

   Társis parece ter sido um dos principais entrepostos comerciais para a cidade mercantil de Tiro, talvez a fonte que lhe supria as maiores riquezas, durante parte de sua história. Desde os tempos antigos, a Espanha tem operado minas que exploram os ricos depósitos de prata, ferro, estanho e outros metais ali encontrados. (Compare isso com Je 10:9; Ez 27:3, 12.) Assim, a declaração profética de Isaías sobre a derrubada de Tiro representa os navios de Társis como "uivando" ao atingirem o Chipre, talvez sua última escala na rota oriental) e receberem a notícia de que o rico porto de Tiro fora despojado. — Is 23:1, 10, 14.

        Heródoto escreveu no século V a.C. que Tartessos passou pelos Pilares de Hércules, no sudoeste da Espanha (As Histórias, Livro 4, 152). Estrabão, escrevendo no primeiro século a.C., afirmou que o submundo grego Tártaro recebeu o nome de Tartessos por ser Tartessos o ponto mais ocidental do mundo conhecido. Ele também escreveu que a região ao redor de Tartessos, e a Espanha em geral, era muito abundante em prata e outras riquezas (Geografia, Livro 3, 2.11-13). Ambos os historiadores afirmam que os gregos e os fenícios descobriram e colonizaram a “Ibéria”, incluindo Tartessos (Histórias, Livro 1, 163; Geografia, Livro 3, 2.13). Esta descrição ajusta-se notavelmente bem à descrição bíblica de uma misteriosa terra ocidental chamada Társis.

        Tartessos é entendida como uma civilização ou cultura local fortemente influenciada pelos fenícios, uma cultura híbrida ( formada por dois ou mais povos) do sudoeste da península, com uma cronologia que vai do século VIII ao V a.C..  E as trocas comerciais também envolvem uma troca de ideias, crenças e costumes. No início dos contatos com os fenícios, Tartessos limitava-se à costa sudoeste, entre Huelva e a foz do Guadalquivir e do Guadiana até à baía de Cádiz. Ao que se fortaleceu a colonização fenícia e a hibridização cultural dos povos locais influenciados pelos fenícios, surgindo assim a cultura tartessiana, a cultura tartessiana se difundiu gradativamente no século VII a.C.. C. mais para o interior, até ao rio Guadiana, na Extremadura.

        Não era um território culturalmente homogêneo, porque é claro que a intensidade da influência fenícia não era a mesma em todo aquele território e antes dos contatos e da colonização fenícia não existia uma única cultura local.

       Mas, é cada vez mais aceito que Társis da Bíblia Hebraica é Tartessus, uma vez que  foi descrita como um local importante para o comércio fenício, associada à cidade-estado de Tiro, e conhecida pela sua riqueza em metais preciosos, reúne assim as características associadas a Tartesso. Por exemplo, ele revela esta importante notícia sobre Tartesso e o comércio com os fenícios: " Pois a frota do rei ia para Társis com os servos de Hirão; Uma vez a cada três anos os navios de Társis costumavam trazer ouro, prata, marfim, macacos e perus.”

     Társis fez negócios com a cidade de Tiro na Fenícia por causa da abundância de sua magnífica riqueza; prata, ouro, estanho e chumbo eles trocaram pelas suas mercadorias”. Uma referência à prata de Társis é encontrada na cerâmica grega, e vale a pena notar que a prata peninsular do sudoeste foi encontrada em Israel. A primeira notícia de Tartessos em fontes gregas vem de um poema do século VII a.C,  que identifica Tartessos como um rio, no Guadalquivir. Mais tarde foi associada à região sudoeste da península e a uma grande riqueza de metais preciosos, e autores como Heródoto também mencionaram as suas trocas comerciais e culturais com os fenícios e os gregos focéus , que viviam próximos à Tróia. As viagens gregas a Tartessus devem ter tido uma importante componente estatal, porque um dos poucos pedaços de história política que temos sobre Tartessus é sobre um rei tartessiano chamado Argantonius.






     No mais, ao que se refere à presença dos povos naquela região, primitivamente viviam tribos Ibéricas e pode-se conjecturar uma fundação grega em Tartessos pelos descendentes de Társis ( estes podem ter vindo - navegado da Ásia Menor, de Tarso na Cilícia) uma primeira leva de colonos gregos seguida pela presença de elementos populacionais fenícios que transitavam frequentemente pelo Mediterrâneo nos seus entrepostos comerciais, e a arqueologia confirma isso, com a presença de elementos da cultura material nas cercanias.Sobre a presença genética nessa região também, podem ser encontrados mediante análise os marcadores genéticos J1, J2 e o E1b1b, muito relacionados à gregos e fenícios. O impacto destes marcadores é considerado menor quanto aos gregos, supondo que existiu uma ocupação primária logo depois sendo substituída por fenícios e outros povos locais, bem como as migrações tardias de povos barbaros diversificou intensamente os haplogrupos genéticos dos espanhóis modernos daquela região.


Referências:


Bíblia Sagrada

Enciclopédia Britannica

Antiguidades Judaicas de Flávio Josefo

From Tartessos to Tarshish https://armstronginstitute.org/922-touring-the-bible-at-madrids-national-archaeological-museum

https://lahistoriaespana.com/tarteso-y-la-colonizacion-fenicia-y-griega/